terça-feira, 16 de novembro de 2021

CUSTO ECONÔMICO DO ACIDENTE DE TRÂNSITO

 

CUSTO ECONÔMICO DO ACIDENTE DE TRÂNSITO


    Já definimos ACIDENTE DE TRÂNSITO como evento inesperado, ocorrido durante a movimentação e imobilização de veículo e suas cargas, pessoas e animais nas vias terrestres, causando danos pessoais, danos materiais ou ambos. Ocorre que, além de ser um evento indesejável que causa mortes e prejuízos diretos, as responsabilidades cíveis e criminais são muito maiores do que se possa imaginar.

Com número superior a 700 mil eventos ao ano e mais de 30 mil mortes contabilizadas, os casos envolvendo acidentes de trânsito movimentam, no Brasil, uma parcela significativa dos processos judicializados. Das mais de 115 milhões de ações em curso, 5% delas têm alguma relação a sinistros automotivos e similares. São quase 6 milhões de casos, mobilizando mais de 350 bilhões de reais, algo próximo ao PIB do Uruguai.

 Este custo atinge, muito além do cidadão, toda a cadeia produtiva. Todo o setor de transporte tem suas ações contenciosas contabilizadas como custos inerentes de sua atividade. Envolvendo transportadoras, empresas de transporte de passageiros, locadoras, concessionárias de rodovias, poder público, todos que operam com veículos e utilizam as vias terrestres acabam envolvidos em algum acidente com perdas de vidas e valores financeiros. Os pedidos são variados, centrando-se em indenizações pesadas por perdas de vidas, danos materiais e morais. Também é significativa a parcela de ações que buscam a responsabilização criminal de eventos, podendo envolver, além dos condutores, os responsáveis pela empresa e superiores do funcionário envolvido.

 Também as seguradoras são envolvidas. Atividades que contém risco buscam garantia de funcionamento sem prejuízos inesperados advindos de acidentes. A cobertura securitária movimenta milhões em prêmios e indenizações. Por isso, há muitos casos envolvendo discussões de valores no judiciário. As fraudes e negativas de indenização são comuns e amplamente judicializadas.

 As montadoras e concessionárias de veículos compõem outro setor amplamente envolvido em demandas relativas a acidentes e fatos correlatos. O veículo é um dos pilares do evento acidente de trânsito. Nada mais natural que questionar a sua responsabilidade. Defeitos de fabricação e manutenção também são causas comuns de acidentes com prejuízos e mortes e envolvem processos de indenizações milionárias. O trabalho preventivo, através de “recalls”, é amplamente difundido, gerando milhões em custos, mas ainda assim não elide a totalmente reponsabilidade civil e criminal das empresas.

 A litigância em eventos de trânsito acarreta excessivas demandas ao judiciário. A maior parte das grandes cidades já possui, inclusive, varas especializadas no assunto. Muitos escritórios jurídicos também buscam aprimorar sua qualificação no atendimento a vítimas de processos de trânsito. Há todo um conhecimento específico e leis sobre a matéria, regrando tanto o comportamento como as punições.

 Inclusive, estes casos demandam cooperação e análise do setor de engenharia. Acidentes são, normalmente, atendidos pelo poder público, gerando boletins de ocorrência, que, muitas vezes, não explicam os acidentes com precisão e coerência. As responsabilidades ficam “ocultadas” com situações e provas que desaparecem rapidamente com o tempo. Nestes casos, a perícia técnica é de vital importância. Profissionais capacitados e treinados conseguem promover a reconstituição dos acidentes. Estes peritos, auxiliares da justiça, devem elucidar os fatos e definir, com comprovação científica, as responsabilidades de cada envolvido, sob o ponto de vista técnico, o que é fundamental para que o operador jurídico possa definir a responsabilidade legal de cada um e aplicar a Lei.

 Dentro do setor produtivo, o contencioso relativo aos sinistros de trânsito chega a gerar um custo de quase 10% do PIB do setor. A judicialização de contendas onera toda a cadeia produtiva e é, certamente, uma parcelas muito significativas. Para o seu atendimento, torna-se, inclusive, um custo fixo, tanto pela indenização como pela manutenção dos departamentos jurídicos e técnicos. Estes valores são certamente incorporados ao custo final do produto. Por este motivo, os setores industrial e de serviços estão se atentando cada vez mais à prevenção e preservação de provas em caso de acidente. Atualmente, protocolos e assessoria técnica especializada fazem parte, do processo produtivo, procurando minimizar  riscos e custos do evento acidente na cadeia produtiva.



terça-feira, 9 de novembro de 2021

ACIDENTE OU SINISTRO?

 

TERMINOLOGIA EM EVENTOS DE TRÂNSITO

 

            Os profissionais que realizam atividades técnicas relacionadas ao trânsito necessitam desenvolver seus trabalhos dentro de uma terminologia comum. É essencial a utilização correta e precisa dos termos utilizados, sob o risco de invalidação de laudos, relatórios e trabalhos científicos. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) apresenta as definições das terminologias usadas em seu Anexo I. 

 
            Neste caminho, a Associação Brasileira de Normas Técnicas lançou, no ano de 2020, a NBR 10697, que pretende normatizar a terminologia para pesquisa de SINISTROS DE TRÂNSITO. Iniciativa louvável, mas que já nasce criando polêmica ao substituir a tradicional denominação “ACIDENTE” por “SINISTRO”. Além de alguns outros erros crassos, esta troca polêmica é um desserviço ao ramo de estudos e tão inócuo como propor a substituição das vogais “a” e “o” por “e” porque existem pessoas incomodadas com a existência de gênero (não sexo) na linguagem. Fica evidente que a norma foi elaborada sem acompanhamento dos setores que realmente trabalham e estudam a matéria. O erro e despropósito ficam claros quando é definido o escopo da Norma em português e inglês (grifo nosso):

 Escopo

 Esta Norma define os termos técnicos utilizados na preparação e execução de pesquisas relativas a sinistros de trânsito e na elaboração de relatórios estatísticos e operacionais.

 Scope

This Standard defines the thechnical terms to be used on preparation an execution of researches related to traffic crashes and elaboration of statistical and operational reports.

             A definição de trânsito está no artigo 1º do CBT e anexo I (sem considerar as inovações propostas pela ABNT):

 Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

         § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

 TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.

             Este autor sugere, complementar como: movimentação e imobilização de veículos,  cargas, pessoas e animais.

             Já a adoção do termo “SINISTRO”, pela ABNT, é uma flagrante parcialidade e apropriação do termo usado pelas empresas seguradoras para definir aquilo que seria melhor nominado como “PERDA” (em inglês, LOSS). O setor de seguros utiliza a seguinte definição:

 SINISTRO: Acidente que causa danos e/ou prejuízos a um bem segurado e, por isso, o termo está presente na apólice do seguro. Já o sinistro integral (perda total) é quando o carro não pode ser recuperado, seja por motivo de roubo ou colisão.

Mas afinal, qual o termo mais apropriado: SINISTRO, COLISÃO OU ACIDENTE? Lembramos que a alteração imotivada de nomenclaturas tecnicamente consolidadas em um setor causa prejuízos às publicações e trabalhos já realizados. E mais: a nomenclatura técnica segue uma uniformidade mundial, seguindo a mesma raiz nos principais idiomas (a exceção da língua alemã):

             Acidente de Trânsito: em inglês é traffic accident,; italiano, incidente stradale; espanhol, accidente de trânsito; francês, accident de la route. Em alemão é Verkehrsunfall.

        O termo “SINISTRO” não é adotado mundialmente, sendo utilizado prioritariamente como adjetivo com significado de “ameaçador”. Já “ACIDENTE” é um termo universal, definido como evento inesperado, que causa danos pessoais, materiais ou ambos. Logo, entendemos que a sua mais correta definição é:

 ACIDENTE DE TRÂNSITO: Evento inesperado, ocorrido durante movimentação e imobilização de veículo, cargas, pessoas e animais nas vias terrestres, causando danos pessoais, danos materiais ou ambos.

                 Acidente de Trânsito é, portanto o termo mais amplo e, tecnicamente, mais adequado. A literatura de língua inglesa usa também frequentemente o termo “Traffic Crash”, que significa Colisão de Tráfico. Colisão ou ainda choque são conhecidas por variações populares e regionais (entre os gaúchos, por exemplo, é comum chamar “acidente” de “batida” ou “pechada” - este termo vem do gálio e descreve o choque entre dois cavaleiros em uma justa, no “pecho”, peito).

 COLISÃO DE TRÂNSITO: Choque envolvendo pelo ao menos um veículo durante o uso de vias terrestres.

             A definição de SINISTRO DE TRÂNSITO, de acordo com a Norma polêmica, apresenta abrangência tão grande que a torna inútil ao fim que se destina. 

 SINISTRO DE TRÂNSITO: Todo evento que resulte dano ao veículo ou à sua carga e/ou em lesões a pessoas e/ou animais, e que possa trazer dano material ou prejuízos ao trânsito, à via ou ao meio ambiente, em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público.

             De acordo com esta definição, um sinistro de trânsito se configura até se alguém estacionar um veículo e cortar uma árvore! Ou se um condutor usar o seu automóvel para cometer um homicídio intencional. E, ainda mais: se um passageiro derramar um copo de suco e manchar o estofamento do veículo, estará cometendo um sinistro de trânsito!!! Sem esquecer que o bloqueio de rodovias em greves e manifestações também se enquadra na definição.

 Outros aspectos da norma são é tão abrangentes que pode  incluir navios, barcos, aeroplanos etc. Ainda: pessoas que sofrem pela perda de entes queridos são vítimas de sinistros de trânsito; pode existir uma vítima sem lesões e por aí vai...

                 Não vou estender muito a crítica à nova Norma da ABNT, claramente definida sem consulta aos setores especializados e, como relatado, muito mal revisada. A conclusão é óbvia: ela precisa ser revisada e corrigida, devendo refletir o estado da técnica e o conhecimento universalmente aceito e não o contrário.

 É muito mais fácil e lógico alterar um documento incorreto do que milhares de laudos, livros, publicações, teses e outros para adequar ao pensamento de um burocrata da ciência.

A GUERRA DO TRÂNSITO CONTINUA



         Há 13 anos escrevi um texto intitulado “A Guerra do Trânsito”. O título fazia referência ao número diário de mortos em acidentes nas ruas e estradas, que chegava próximo a 120 no Brasil e 4.000 no mundo. Embora este número (de óbitos de trânsito diários no mundo) seja menor que o de vítimas da 2ª Guerra Mundial – que chegou a 38.000,00 - está acima do de outros conflitos, como as Guerras da Secessão e do Vietnã, com 500 vítimas diárias. Só no Brasil, os mortos superam em 3 vezes os brasileiros mortos por dia na guerra do Paraguai.

             Da data de publicação do artigo até hoje, o Brasil já perdeu mais de 570 mil vidas no trânsito, ou seja: a guerra continua. É uma tragédia considerável pelo número de mortos, e ainda mais catastrófica pelo tempo que vem se desenrolando, lembrando ainda que não tem prazo para terminar.

 


              Mas por que transitamos?

          O homem é um ser nômade por natureza. Desde os tempos pré-históricos, sua sobrevivência estava intimamente ligada a movimentos migratórios de tribos inteiras em busca de alimentos e proteção.

              Com a evolução da civilização e a criação do automóvel e outros veículos, tornou-se necessária a construção de estrutura gigantesca de vias, estradas, ruas, para facilitar o deslocamento de pessoas, animais e mercadorias para diversos lugares do planeta. Também foi imprescindível criar leis e regras para regular a circulação e tecnologia de deslocamento e segurança.  A movimentação de bens e seres, envolvendo suas características, diversidades e regramento, compreende o que genericamente denominamos de Trânsito.

         Os setores relacionados ao Trânsito compõem a maior força econômica do planeta, gerando valores financeiros consideráveis, alta carga tributária e um grande número de postos de trabalho, contabilizando-se empregos diretos e indiretos.

         Concordando-se ou não, as guerras têm objetivos envolvidos. As justificativas podem ser altruístas (por exemplo, busca por justiça, igualdade, liberdade, equilíbrio, respeito) ou misantropia, ambição, cobiça, avidez. É um jogo de objetivo e conquista, sendo a morte a sua representação maior.

            Já as mortes no trânsito são falhas indesejáveis do fenômeno de deslocamento. Os acidentes podem causar óbitos ou ferimentos graves, gerando sequelas físicas e emocionais, além de horas, dias, anos de trabalho perdidos. Por este motivo, são extremamente relevantes para a saúde pública, sendo considerados “a doença social que vitima milhões de pessoas por ano no mundo, segundo o Transportation Research Board (1990)”, ficando apenas um pouco atrás das doenças do coração e do câncer. Ao contrário das outras doenças e como agravante, concentra os óbitos na camada mais jovem da população, aumentando os prejuízos econômicos e sociais causados.

           Para compreender o “evento acidente”, é fundamental a análise do funcionamento do “fenômeno trânsito”, para que se possam definir as ações necessárias para minimizar este tipo de ocorrência.

         Três elementos interagem no contexto sócio comportamental que forma o trânsito: o homem, a via e o veículo. O acidente é consequência da falha de um ou mais componentes deste trinômio.  O diagrama abaixo mostra a participação de cada elemento no evento acidente, destacando o fator humano.

O acidente de trânsito é muito mais complexo do que a imagem simplista apresentada pela mídia, que normalmente destaca o comportamento individual dos motoristas, sem levar em conta a participação da iniciativa privada, da sociedade e, principalmente, do poder público.

        Assim, como o próprio Código de Trânsito Brasileiro define em seus Anexos, TRÂNSITO é movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres. Envolve leis, normas, regras, tecnologias e relações humanas, muitas vezes de forma conflituosa e caótica. É um processo interativo entre o ser humano, o veículo e a via. Seu funcionamento depende da harmonia dinâmica desta inter-relação, com responsabilidade direta, em vários níveis, dos usuários, poder público e da iniciativa privada.

            O ACIDENTE, embora usual, é um evento indesejável, que causa mortes e prejuízos. Em muitas situações, pode ser evitado, dependendo, para isto, de ações concretas, rigorosas e comprometidas por parte de todos os participantes do fenômeno trânsito.

             Aprofundaremos a questão, discorrendo sobre detalhes de cada elemento envolvido no processo em discussão, com a finalidade de trazer entendimento e conhecimento relevantes à adequada formulação de procedimentos e políticas que possam contribuir com a redução significativa de danos pessoais e materiais decorrentes de sinistros.