TERMINOLOGIA EM EVENTOS DE TRÂNSITO
Os profissionais
que realizam atividades técnicas relacionadas ao trânsito necessitam
desenvolver seus trabalhos dentro de uma terminologia comum. É essencial a
utilização correta e precisa dos termos utilizados, sob o risco de invalidação
de laudos, relatórios e trabalhos científicos. O Código de Trânsito Brasileiro
(CTB) apresenta as definições das terminologias usadas em seu Anexo I.
Neste caminho, a
Associação Brasileira de Normas Técnicas lançou, no ano de 2020, a NBR 10697,
que pretende normatizar a terminologia para pesquisa de SINISTROS DE TRÂNSITO.
Iniciativa louvável, mas que já nasce criando polêmica ao substituir a
tradicional denominação “ACIDENTE” por “SINISTRO”. Além de alguns outros erros
crassos, esta troca polêmica é um desserviço ao ramo de estudos e tão inócuo
como propor a substituição das vogais “a” e “o” por “e” porque existem pessoas
incomodadas com a existência de gênero (não sexo) na linguagem. Fica evidente
que a norma foi elaborada sem acompanhamento dos setores que realmente
trabalham e estudam a matéria. O erro e despropósito ficam claros quando é
definido o escopo da Norma em português e inglês (grifo nosso):
Escopo
Esta Norma define os termos técnicos utilizados na
preparação e execução de pesquisas relativas a sinistros de trânsito e na elaboração de relatórios estatísticos e
operacionais.
Scope
This Standard defines the
thechnical terms to be used on preparation an execution of researches related
to traffic crashes and elaboration
of statistical and operational reports.
A definição de trânsito está no artigo 1º do CBT e anexo I
(sem considerar as inovações propostas pela ABNT):
Art. 1º O trânsito
de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à
circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e
animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação,
parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
TRÂNSITO -
movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres.
Este autor sugere,
complementar como: movimentação e
imobilização de veículos, cargas, pessoas e animais.
Já a adoção do
termo “SINISTRO”, pela ABNT, é uma flagrante parcialidade e apropriação do
termo usado pelas empresas seguradoras para definir aquilo que seria melhor
nominado como “PERDA” (em inglês, LOSS). O setor de seguros utiliza a seguinte
definição:
SINISTRO: Acidente
que causa danos e/ou prejuízos a um bem segurado e, por isso, o termo está
presente na apólice do seguro. Já o sinistro integral (perda total) é quando o
carro não pode ser recuperado, seja por motivo de roubo ou colisão.
Mas afinal, qual o termo mais apropriado: SINISTRO, COLISÃO
OU ACIDENTE? Lembramos que a alteração imotivada de nomenclaturas tecnicamente consolidadas
em um setor causa prejuízos às publicações e trabalhos já realizados. E mais: a
nomenclatura técnica segue uma uniformidade
mundial, seguindo a mesma raiz nos principais idiomas (a exceção da língua
alemã):
Acidente de Trânsito: em inglês
é traffic accident,; italiano, incidente stradale; espanhol, accidente de trânsito; francês, accident de la route. Em alemão é Verkehrsunfall.
O termo “SINISTRO” não é adotado mundialmente, sendo
utilizado prioritariamente como adjetivo com significado de “ameaçador”. Já “ACIDENTE”
é um termo universal, definido como evento inesperado, que causa danos
pessoais, materiais ou ambos. Logo, entendemos que a sua mais correta definição
é:
ACIDENTE DE
TRÂNSITO: Evento inesperado, ocorrido durante movimentação e imobilização de
veículo, cargas, pessoas e animais nas vias terrestres, causando danos
pessoais, danos materiais ou ambos.
Acidente de Trânsito é, portanto o termo mais amplo e,
tecnicamente, mais adequado. A literatura de língua inglesa usa também
frequentemente o termo “Traffic Crash”, que significa
Colisão de Tráfico. Colisão ou ainda choque são conhecidas por variações
populares e regionais (entre os gaúchos, por exemplo, é comum chamar “acidente”
de “batida” ou “pechada” - este termo vem do gálio e descreve o choque entre dois
cavaleiros em uma justa, no “pecho”, peito).
COLISÃO DE
TRÂNSITO: Choque envolvendo pelo ao menos um veículo durante o uso de vias
terrestres.
A definição de SINISTRO DE TRÂNSITO, de acordo com a Norma
polêmica, apresenta abrangência tão grande que a torna inútil ao fim que se
destina.
SINISTRO
DE TRÂNSITO: Todo evento que resulte dano ao veículo ou à sua carga e/ou em
lesões a pessoas e/ou animais, e que possa trazer dano material ou prejuízos ao
trânsito, à via ou ao meio ambiente, em que pelo menos uma das partes está em
movimento nas vias terrestres ou em áreas abertas ao público.
De acordo com esta definição, um sinistro de trânsito se
configura até se alguém estacionar um veículo e cortar uma árvore! Ou se um
condutor usar o seu automóvel para cometer um homicídio intencional. E, ainda
mais: se um passageiro derramar um copo de suco e manchar o estofamento do
veículo, estará cometendo um sinistro de trânsito!!! Sem esquecer que o
bloqueio de rodovias em greves e manifestações também se enquadra na definição.
Outros aspectos da norma são é tão abrangentes que
pode incluir navios, barcos, aeroplanos
etc. Ainda: pessoas que sofrem pela perda de entes queridos são vítimas de
sinistros de trânsito; pode existir uma vítima sem lesões e por aí vai...
Não vou estender muito a crítica à nova Norma da ABNT,
claramente definida sem consulta aos setores especializados e, como relatado, muito
mal revisada. A conclusão é óbvia: ela precisa ser revisada e corrigida,
devendo refletir o estado da técnica e o conhecimento universalmente aceito e
não o contrário.
É muito mais fácil e lógico alterar um documento incorreto
do que milhares de laudos, livros, publicações, teses e outros para adequar ao
pensamento de um burocrata da ciência.