Aqueles que trabalha de maneira
direta ou indireta com trânsito, seja como advogado ou perito atuando em
processos evolvendo acidentes têm se deparando com um documento denominado de “Laudo
Pericial de Acidente de Trânsito” emitido pela Polícia Rodoviária Federal que vêm
substituindo o “Boletim de Acidente de Trânsito”. Esta “Perícia” feita no meio
do local de acidente por um policial sem formação, especialização ou concurso
termina em uma “Conclusão”, supostamente baseada em “vestígios, narrativas e
análises” tiradas da imaginação do leigo e que comprometem pesadamente a cadeia
de custódia criando uma falsa prova sempre com atribuições ilegais de culpa.
Há anos se alerta que o chamado “Laudo Pericial de Acidente
de Trânsito”, defendido com unhas e dentes pela cúpula da PRF é um desvio
perigoso e ilegal da função primordial da corporação: de fazer levantamento de
campo de locais de acidente de trânsito. Fruto de uma interpretação forçada do
inciso XIII acrescentado ao artigo 20º do Código de Trânsito pela lei
14.229-21, que abre a perícia administrativa para a PRF, este documento
substituiu o Boletim de Atendimento de Trânsito, liberando ao policial
rodoviário, leigo e sem formação, o papel onipotente de levantar, avaliar,
concluir e julgar a responsabilidade dos envolvidos sem o contraditório e a
ampla defesa.
O atendimento de acidente de trânsito ocorrido em rodovias e
estradas federais é feito pela Polícia Rodoviária Federal. O Artigo 20 do
Código de Trânsito Brasileiro, em seu parágrafo IV diz:
Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das
rodovias e estradas federais:
IV - Efetuar
levantamento dos locais de acidentes de trânsito e dos serviços de atendimento,
socorro e salvamento de vítimas;
E a nova redação inclui
XIII - realizar perícia administrativa nos locais de
sinistros de trânsito.
Inicialmente, por que ilegal?
Um acidente de trânsito e seus desdobramentos não são
caraterizados como processo administrativo. Ainda mais quando existe danos
pessoais, quando passam a ser um possível crime.
Os acidentes de trânsito devem ser atendidos por autoridade
policial, principalmente pelo fato de que a maior parte deles pode caracterizar
crime de trânsito. O crime de trânsito é
definido pelo artigo 291 da Lei no. 9.503/1997, que estabelece o Código de
Trânsito Brasileiro, sendo tipificado principalmente pelos artigos 302 a 312,
homicídio, lesão corporal, omissão de socorro, entre outros.
Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos
automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código
Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo
diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.
Dentro da esfera crime, a autoridade policial responsável
determinará a perícia de ofício ao órgão competente. Os peritos chamados são
concursados, independente e, principalmente: formados na área. É importante
destacar que a atividade pericial oficial é regrada pela Lei 12.030/2009 que
estabelece em seu artigo 2º:
Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de
natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional,
exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento
do cargo de perito oficial.
O Decreto-Lei 3.689/41 já determinava a exigência ainda de
diploma superior ao perito concursado, confirmado por nova redação da Lei
11.690/2008.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão
realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.
Lembrando ainda que é facultado aos indiciados, indicar
assistentes técnicos.
Logo, a Perícia de Acidente feita pela PFR é ilegal porquê:
Não é perícia administrativa e sim criminal;
Não é realizada por Perito Concursado;
Não é realizada por especialista formado;
Não preserva a autonomia funcional;
Não foi solicitada pela Autoridade Policial;
Não permite o contraditório.
E por que é perigosa?
O ponto mais grave é que este trabalho
vem substituindo o importantíssimo levantamento de local, deixando de existir a
coleta de provas. As provas são importantes para a verdadeira perícia,
realizada pela polícia científica. A cadeia de custódia, uma vez quebrada vai
impactar no devido processo legal. O mesmo artigo 158 do CPP salienta.
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de
todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história
cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para
rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Logo, a Perícia de Acidente feita pela PFR é perigosa porquê:
Quebra a cadeia de custódia, perdendo-se provas importantes;
Usurpa a função do perito oficial;
Atalha a formação universitária e especializada colocando
leigos como peritos;
Materializa pseudo provas com erros crassos;
Atribui culpa sem processo legal.
Os erros e injustiças estão se acumulando, tanto na
responsabilização de quem não deve, como na liberação de quem deveria ser
responsabilizado em função deste “jeitinho brasileiro” usado para atalhar o
caminho legal.